A caixinha Rosa
Eu tinha muita coisa pra dizer, não coisas de muito valor,
mas muita coisa pequena. Eram bastantes coisas, assim, que não se dizem por
dizer, mas que no final foram ditas até por querer. Eu tinha que dizer, por
exemplo... De quando eu sai por ruas à dentro, e levei um trupicão que deixou o
meu dedo latejando por dois dias seguidos, acho que foi a ansiedade que me fez
cambalear, sabe? Essa ansiedade que bate quando queremos fazer surpresa? É...
Eu estava indo rumo à sua surpresa quando machuquei meu dedinho miúdo. Eu
lembro de ter dito, assim que cheguei ao meu destino “-Moço, faça uma caixinha
dessas bem bonitas, tenho preferência de que seja pequena, mas bem medida, sem
erros. Ela merece algo certo e bem bonito”. Não lembro ao certo de onde veio à
inspiração de te dar um caixinha, mas algo dizia dentro da minha mente
“Caixinhas são onde guardamos as coisas que mais gostamos”.
Era numa Quarta-Feira de frio e neblina, cortei caminho pro
mercado e comprei tinta de tecido. Rosa e roxo. Não tinha a cor vermelha, mas
rosa era uma boa cor pra uma caixinha. Então pintei com todo carinho cada
canto, cada parte daquela pequena caixa que cabia na palma da minha mão, certo
que não sou uma Picasso, pito mal a bessa, mas foi de todo o coração. Se não
tivesse sido de coração, acho que eu não teria acordado as 08h30min da manhã,
só pra ir ao mercado com a mente de que, quanto mais cedo eu fosse, mais
chances de ter a mercadoria necessária pra pintura eu teria. Talvez se eu
tivesse ido mais tarde um pouco, ainda seria de todo coração, acho mesmo que o
tempo fracionado não muda muito as coisas que são feitas com carinho.
Então eu pintei aquela caixinha minúscula, lembro de ter
comprado até um perfume novo, sabe? Tinha vindo uma mulher, dessas revendedoras
da AVON, O BOTICÁRIO, JEQUITI lá em casa... Daí encomendei um perfume, um perfume que
eu usara há muitos anos atrás, o meu predileto. Borrifei aquela água de cheiro
amadeirado em cada extremidade daquela caixinha, e logo depois, pus um colhedor
de sonhos ruins lá dentro dela, sabe? Porque eu não queria que você tivesse
motivos pra ficar triste depois de uma noite de sono, ou que você acordasse no
meio da noite com medo, ou até mesmo que isso, de ter pesadelo, estragasse sua
hora de descanso e de sonhos bons, e por fim, uma carta que eu houvera escrito
na madrugada anterior. Fechei sua caixinha caseira e dei por fim meu trabalho
de coração.
Era algo pequeno, confesso, tão pequeno quanto as coisas
pequenas que eu tinha pra te dizer. Mas sabe? Eu nunca fui muito de fazer coisas
grandes, não porque é feio, ou sei lá, qualquer outro motivo... É só porque
sempre dei mais valor pra coisas pequenas, assim...
Que pena que numa quarta-feira de duas semanas depois sua
caixinha voltou. Eu queria realmente, assim como queria que você soubesse das
coisas pequenas que eu tinha pra te dizer, de que eu tinha feito ela de todo
coração, e de como ficou baixo o meu semblante e ranzinza a minha fala depois
de ter recebido um remetente de que você não tinha ido buscar sua caixinha rosa
de tampa roxa.
Mas eu compreendi que você não tinha tempo pra ir
buscá-la... Mas saiba, viu? Você ia adorar aquela caixinha, até porque, ela tem
um ar bem convidativo e agradável, acho que acabei esculpindo a sua doçura e
seus trejeitos nela. Acho que vou continuar mandando ela de volta, toda vez que
ela aparecer na minha caixa de correios, quem sabe um dia, por curiosidade e
tempo ocioso você não vá buscá-la. Ai, não terá sonhos ruins mais, e nem
precisará dormir com a luz ligada.
Comentários