Uma tarde no park da cidade
Depois de Dormir
Eu não me lembro bem que horas eram, na verdade, acho que eu
não me lembro de nada que tenha ocorrido no dia anterior.
Eu bebi tanta bebida alcoólica que eu não me lembro bem
aonde que deixei meu cérebro. Devo ter o deixado no chão quando inventei de me
agachar para chorar – risos sarcásticos – Veja bem quem chora, eu!
Não, eu menti, eu ate me lembro de uma coisa e outra do dia
irônico que tive; claro que me lembro, como eu me esqueceria?
Eu nem tinha dormido direito na noite anterior á aquele dia,
fiquei tão ansiosa que pensei que meu coração pularia para fora do meu peito,
fiquei planejando coisas, bolando falas, ensaiando gestos, eu ate conversava
sozinha.
Olha o que o ser humano se torna quando esta com uns
sintomas estranhos dentro do peito, ele se torna tão clichê e patético.
Mas aconteceu que eu bebi, e eu não sabia mais quem eu era,
o que eu sentia, eu nem sabia mais para onde eu iria, o que eu falaria, como eu
agiria, qual passo errado – mais outro dentre tantos –, eu daria desta vez.
Eu senti vergonha de mim mesma, sabe? Eu ficava me
questionando se o álcool tinha feito se perder minha beleza, eu estava tão
preocupada com a minha estética que perguntava de hora em hora pra qualquer
pessoa que passasse na rua, se eu era feia – “Ei, você? Eu sou feia para ela?”
– Eu segurava em algum braço desconhecido daquele park – “Olha bem pra mim, eu
sou feia?” – Eu abordava mais outro desconhecido.
Eu definitivamente tinha perdido a total noção de espaço e
civilização, tinha perdido ate o medo, medo de que? Nem eu sei, eu tenho algum
medo? – Ate tenho, tenho um medo enorme de não ser o que as pessoas querem que
eu seja, medo de desapontar, medo de magoar, de decepcionar. E não seria
mentira se alguém dissesse que eu tenho medo ate de mim mesma. Eu tenho um medo
absurdo de mim. – Mas eu não me importava com esse medo, não naquele momento.
Eu só queria saber se eu era bonita o suficiente, eu precisava, não sei, me
sentir bonita, apresentável para ela. Era a primeira vez que eu veria, que eu a
abraçaria, que eu sentiria o seu hálito bater em meu rosto e seus olhos me
fitarem enquanto os meus ficariam encolhidos e acanhados de tanta vergonha.
Eu já tinha perdido o chão, não de raiva, mas de ansiedade,
de espera, eu odeio esperar, odeio tanto quanto odeio água de coco quente. A
ansiedade, a espera me causava nostalgia, enjôo, eu ate tinha algumas revirias
de ficar soando frio, eu tremia, meu coração palpitava, eu fiquei de perna
bamba em meio aquela gente.
Eu não parava de perguntar se ela já estava chegando, no
fundo, eu nem queria que ela viesse, não, espera... Eu queria sim, eu so não
queria que ela me visse naquele estado, naquele estado de nervos. Eu chorava
por dentro, chorava por me sentir insuficiente, já tínhamos brigado outras
vezes, brigas das quais eu nem tinha me tocado de que eram brigas de verdade,
eu não sei, eu não me dou muito bem com brigas, eu sempre sorrio no final
tentando acertar as coisas – Na minha mente doentia, sorrisos sempre resolviam
tudo – Mas, acho que não resolviam muito bem com ela.
Veja bem, eh exatamente ai que tudo se encaixa, minha
sudorese, minha afobação, minha insegurança toda era so por isto, por termos
brigado antes de nos ver de fato, de eu sentir sua massa nas palmas das minhas
mãos.
E então eu bebi, foram um carneirinho de vinho, dois
carneirinhos de vinho, três... Quatro... Cinco carneiros de vinho contados as
rasteiras, contados não, cantados, cantados lentamente como se fossem canções
de amor, daquelas que se rastejam e reviram nossas mentes, fazendo nosso cérebro
por todo o nosso corpo naquele estado deplorável de depressão.
E então eu me lembro de estar falando “A aranha arranha a rã
e a rã...” – E então a língua se embolava e veio alguém, cuja voz não sei de
quem era, dizendo – “Cara, o que ela ta falando ai?” – E todos rindo, e eu ria,
mas chorava por dentro.
Nessa altura, ela já tinha chegado. Eu lembro de ter saído
pra buscar alguém com uma amiga, e de que voltaríamos logo, ou ate mesmo
encontraríamos com ela no meio do caminho, mas acontece que ela já tinha
chegado, que eu não encontraria ela no meio do caminho, nem que eu teria um
treco no meio da rua, ou sei la o que...
E a voz ecoava dentro da minha mente “Você não deveria ter
bebido, não deveria.”
Eu a vi de longe, abaixei meu rosto, continuei andando
fitando o chão.
Eu não conseguia pensar mais em nada, eu so conseguia ouvir
os estrondos que eram absurdos dentro de mim, parece droga, mas era, era algo
que eu não sabia mais identificar.
Foi quando vi teus passos perto dos meus, foi a primeira
coisa que vi, primeira coisa que vi fronte a mim... E ela então parou na minha
frente, mas continuei cabisbaixa. Eu não queria olhá-la, eu não queria que ela
me visse naquele estado, eu estava bêbada, envergonhada, pálida, sem cor... Sem
vida, feia...
“Olha para mim” e eu balancei a cabeça num sinal de “não”
E então ela pegou no meu queixo e o ergueu...
Eu gritava, meu eu interior gritava de vergonha.
“oi” eu disse semicerrando meus olhos enquanto fitava o seu
rosto.
Eu queria muito discernir o que vi de fronte a mim, mas meus
olhos ficaram sem palavras, e se alguma parte de mim conseguia falar naquele
momento, essa parte era a parte que bombeava sangue para todo o meu corpo.
E então, como num relance, alguma coisa mudou, estava tudo
diferente.
A “Aranha arranha a rã” era apenas uma cantiga pra aliviar o
coração, pra não escutar as panelas caindo, os copos quebrando e os talheres
indo direto ao chão de mim.
Ela já estava do outro lado, e quem me dera se ela estivesse
distante, o tanto distante quanto os nossos corpos naquele park, ela estava a
centenas de distancia dali, em outro continente, em outra direção, direção da
qual, evidentemente estava totalmente ao oposto de tudo que sentíamos uma pela
outra.
Já havia se desfeito tudo. E se desfeito há muito tempo antes,
segundos, minutos, horas, dias atrás. E
eu, de uma forma invasiva, egoísta, mesquinha, tentava salvar, sei la o que, o
que já nem tínhamos mais.
E quando ela me abraçou, pela primeira vez, e depois quando
soltei e ela me pediu um outro abraço, eu ate pensei que alguma coisa tinha
conspirado ao nosso favor, eu ate juntei minhas mãos em suas costas, mas ela as
desprendeu como um laço, um laço frouxo e disse que me acompanharia ate o ponto
de ônibus, como se quisesse me tirar dali a todo custo.
Talvez ela, naquele ato grotesco, mas sem intenção alguma de
parecer grotesco, quisesse tirar dali, do nosso meio, todo um apego...
Talvez ate fosse melhor para nos duas, mas eh so talvez,
quem me dera se talvez fosse certeza.
E se tinha algo que eu não tinha mais ali, era uma certeza
de um futuro.
E o fato de beber, não alterou os fatos, o fato era de que
nada mais podia salvar o que nunca se teve de fato, o fato maior de todos, eh
de que, enquanto eu estava de um lado, e ela de outro, e no meio de todo aquele
abraço, se alguém olhasse para o chao, veria resquícios de um apego, que não
vinha de mim, mas sim dela, que não era para mim, mas para outro alguém.
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