Eu devia ter sentado no sofá ao lado do meu pai por mais vezes.
Devia ter tentado chamar mais sua atenção. Forjado um romance, ter trago gente pra dormir aqui em casa sem pedir permissão.
Devia ter dito algo enquanto ele berrava, sabe-se lá de qual cômodo o desgosto que eu sou pra ele, mesmo quando todo mundo sabia que eu não havia feito nada. O nada sempre foi um problema. Devia ter preenchido o ódio com alguma espécie de vida, mas me calei.
Devia ter mostrado quem eu era ou quem eu gostaria de ser, dentro do carro, antes do rádio começar a tocar e irmos pra casa do padrinho Paulo.
Devia ter abraçado mais forte ou olhado com mais ternura o seu rosto, naqueles inúmeros "sentimentos de agradecimento" dos presentes nas datas comemorativas. Chorado o nó da garganta, mas virei as costas.
Devia ter deixado os demônios que habitam em mim, atacarem quando percebi que ele passava por mim e não me notava, me esbarrava mais não se virava pra ver em quem, não me enxergava, bufava, respirava fundo. Me engolia sem querer me mastigar.
Devia ter continuado à levar sucos após as refeições, mesmo quando ele não pegava o copo da minha mão, deixava o suco esquentar, ia até a geladeira buscar outro sem ligar pro que eu havia deixado no braço do sofá.
Devia ter sido mais gentil com seus amigos, ter feito sala, cumprimentado, demonstrado a educação que aprendi com outros, mas não com ele.
Devia ter quebrado os vidros do carro naquela vez que ele estraçalhou o meu fone de ouvido, berrando que eu havia furtado o dele. Furado os pneus, socado o motor, ter posto fogo naquela merda.
Devia ter atendido as ligações, respondido as mensagens, mas nunca consegui acreditar depois de tanto.
Então rejeitei, apaguei, não quis pra mim.
(Boteco de Sentimentos)

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